quinta-feira, 15 de maio de 2014

1. Rui Amália

Poeta desconhecido e deslumbrado, nasceu em  Verride, perto da Figueira da Foz, em 1950. Publicou dois livos de poemas: o primeiro em Setembro de 1974 e o segundo em Junho de 1975. Numa entrevista feita por ele a ele ( "uma recriação do espaço transbordante da recusa mercantil  do mediatismo") e publicado  sob  a forma de anúncio pago  no Diário de Lisboa, em 1977, explicou as suas raízes literárias:

" Vivi muito tempo na ilusão de Yevtuschenko , li e e reli "Stantsya Zima", mas depois compreendi  que o poeta é um soldado  das massas, existe para as servir. Yevtuschenko cheira mal da boca".

Não deixa de ser notável que Rui Amália tenha tido acesso a Stantsya Zima, editado em 1956 na URSS. Provavelmente obteve um atradução farncesa. Seja como for, com Yevtuschenko caído em desgraça, Rui Amália também o deixa cair e dedica-se à celebração revolucionária. Os poemas publicados  nesses anos quentes exibem a extrema lucidez do soldado do povo. Este verso, extraído de Afoguemos a reacção e escondamos as bóias ( 1975), é fabuloso:

Neste mar plúmbeo que é de todos,
da Figueira da Foz a Murmansk,
da Tocha a Luanda,
atemos chumbos aos pés dos piratas
que outrora enredavam os descalços
nos seus arrastos de procelárias.

Sabe-se pouco do percurso de Amália  nos anos 80. Professor do ensino secundário, teve a vida dificultada pela incompreensão da burocracia ministerial.  Dado a sintomas psicossómaticos, foi obrigado a interromper a docência por longos períodos. Tinha fases em que enormes borbulhas azuis lhe cobriam o corpo, ainda que os médicos  recusassem testemunhar o fenómeno. 
Nos anos 90 ia com frequência a Lisboa conviver com literatos. Ajudou Eduardo Prado Coelho a atravessar uma passadeira na rua do Salitre e punha-se à porta da casa de Maria Teresa Horta na esperança de beber inspiração. Um desagradável mal-entendido com uma amiga da escritora levou-o a tribunal, mas tudo ficou sanado porque Rui Amália passou a considerar o círculo lisboeta como "algo fechado" e recolheu a Verride.
Rui Amália morreu  em Abril de 2006, mas escapou ao cliché do poeta desterrado e miserável. Em 1997, um cunhado arranjou-lhe emprego  de porteiro  no casino da Figueira. Recebia boas gorjetas que não gastava em gelados.








4 comentários:

  1. Gostei de conhecer. Diz lá qual é o dia da edição do Diário de Lisboa de 1977, para eu ir ver um dia destes à biblioteca. Não tem muito a ver, é só um pretexto, mas no outro dia, deu-me uma coisa e procurei pelos worst poets ever e worst poems, pensando que me iria divertir. Ora, pelo contrário, descobri que sou um gajo sensível e fiquei emocionado com este personagem:

    http://en.wikipedia.org/wiki/William_McGonagall.

    Desde aí, não parei de ler maus poemas. Há milhares de sites dedicados a isso e até concursos. De paises que levam a poesia a sério. Aqui, é como tu dizes da tradição do mar e das salsichas. Neste pais de poetas, não encontrei nenhuma referência a “Rui Amália” no google. Podia pelo menos Verride associá-lo a um código postal numa ruazinha com pelo menos um morador; não envergonhava ninguém. Aqui em Coimbra, o Carlos de Oliveira, e vá lá, tem o nome numa rua que sobrou e onde só se passa para ir dormir.

    caramelo

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  2. Existe, existe. Aquele poema está feito com tanta arte que eu acho que tu já os escreves secretamente há muito tempo com o nome de "Rui Amália", para a gaveta. Um vogal da junta de Verride já aqui veio e já propôs que dessem o teu nome lá a uma rua.
    caramelo

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