Nome incontornável da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, não recebeu o reconhecimento merecido por motivos insondáveis. Relacionou-se com grandes poetas e escritores da sua geração e parecia lançado para o panteão da memória literária nacional, mas a sua obra é hoje encontrada apenas em alguns alfarrabistas de província.
Joaquim Jesus de Carvalho nasceu em Seixas, Caminha, em 1945, numa família de comerciantes abastados. O pai e o avô compravam vinho verde e presunto em Melgaço e Monção e iam vender ao Porto. Joaquim acabou por fazer a escola em Viana, em casa de uma tia, e o curso de Filologia Romanica na Faculdade de Letras, em Lisboa. Publica o primeiro livro de poesia em 1968, com o espectacular título de Água de Fogo, uma edição de autor apadrinhada por Ramos Rosa. Na linha habitual da escola portuguesa mais aceite, Cruz não esquece os elementos essenciais:
"Há uma linha de pedra e
e de água
onde os pássaros bebem a luz
que as árvores esquecem
no meu peito".
Tenta conhecer O'Neill, numa tarde , numa pastelaria. O'Neill aceita o café que Joaquim Cruz lhe oferece, acende um cigarro e diz-lhe que tem de fumar sozinho para não lhe perturbar a saúde. Joaquim fica maravilhado até ao dia seguinte, quando lhe explicam que O'Neill é um filho da mãe arrogante.
Conhece Luis Nava quando
este é ainda muito jovem ( 1978). Fazem parte de um restrito círculo
de jovens poetas e bebem sofregamente a inspiração nos consagrados.
Estes encarregam-nos de pequenas tarefas, como comprar cigarros ou
levar bilhetinhos a raparigas. Lisboa continua um enorme e divertido
liceu. Nava morre degolado por um amante, em 1995, mas nessa altura já o nosso
homem está arredado do meio literário. Lembra-se de O'Neill e comenta a
notícia com o seu gato: Espero que não tenha sujado o tapete.
A conversão à Igreja Universal do Reino de Deus ( IUR), nos anos 90, sucede ao período desastroso da sua carreira. Cruz, no início dos anos 80, não compreende porque não recebe o mesmo aplauso do que alguns do seus contemporâneos. Não tentou ele chegar perto de Eugénio de Andrade, escrevendo como o Mestre, como faziam todos? Não tentou ele acompanhar o ritmo de Nuno Júdice e Gastão Cruz ( às vezes deixava as pesoas pensar que eram primos), não se desviando um centímetro da escola das árvores, dos frutos, dos navios? A desilusão é brutal, lisa e perfeita / como o xisto negro, escreve ele numa plaquete publicada em 1983 ( " Poemas menos originais" Ed. autor).
Vive hoje no retiro Doce Paraíso, em Alcanena, sofre de demência precoce.
As árvores, os frutos, os navios e as mãos, a porra das mãos. Aquilo são espécies invasoras como o jacinto-de-água e o lagostim vermelho, que o senhor Eugénio aqui introduziu no ecossistema e agora é aguentar. Quanto mais a gente os come, mais se reproduzem, os sacaninhas.
ResponderEliminarcaramelo