sexta-feira, 23 de maio de 2014

5. Joaquim Cruz

Nome incontornável da poesia portuguesa da segunda metade do século XX, não recebeu o reconhecimento merecido por motivos insondáveis. Relacionou-se com grandes poetas e escritores da sua geração e parecia lançado para o panteão da memória literária nacional, mas a sua obra é hoje  encontrada  apenas em  alguns  alfarrabistas de província.
Joaquim Jesus de Carvalho nasceu em Seixas, Caminha, em 1945, numa família de comerciantes abastados. O pai e o avô compravam vinho verde e presunto  em Melgaço e Monção e iam vender ao Porto. Joaquim acabou por fazer a escola em Viana, em casa de uma tia, e o curso de Filologia Romanica na Faculdade de Letras, em Lisboa. Publica o primeiro livro de poesia em 1968,  com o espectacular título de Água de Fogo, uma edição de autor apadrinhada por Ramos Rosa. Na linha habitual da escola portuguesa mais aceite, Cruz não esquece os elementos essenciais:

"Há uma linha de pedra e
e de água
onde os pássaros bebem a luz
que as árvores esquecem
no meu peito".

Tenta conhecer O'Neill, numa tarde , numa pastelaria.  O'Neill aceita o café  que Joaquim Cruz lhe oferece, acende um cigarro e diz-lhe  que tem de fumar sozinho para não lhe perturbar a saúde. Joaquim  fica maravilhado  até ao dia seguinte, quando lhe explicam  que O'Neill é um filho da mãe arrogante.  
Conhece Luis Nava quando este é ainda muito jovem ( 1978).  Fazem parte de um  restrito círculo  de jovens poetas  e bebem sofregamente a inspiração nos consagrados. Estes encarregam-nos de pequenas tarefas, como comprar cigarros  ou levar  bilhetinhos  a  raparigas. Lisboa continua um enorme e divertido liceu. Nava morre degolado por um amante, em 1995, mas nessa altura já o nosso homem está arredado do meio literário. Lembra-se de O'Neill e comenta a notícia com o seu gato: Espero que não tenha sujado o tapete.

A conversão à Igreja Universal do Reino  de  Deus ( IUR), nos anos 90, sucede ao período desastroso da sua carreira. Cruz, no início dos anos 80, não compreende  porque não recebe o mesmo  aplauso do que alguns do seus contemporâneos. Não tentou ele chegar perto de Eugénio de Andrade, escrevendo como  o Mestre, como faziam todos? Não tentou ele  acompanhar o ritmo de Nuno Júdice e Gastão Cruz ( às vezes deixava as pesoas pensar que eram primos), não se desviando um centímetro da escola das árvores, dos frutos, dos navios?  A desilusão é brutal, lisa e perfeita / como o xisto negro, escreve ele numa plaquete publicada em 1983 ( " Poemas menos originais" Ed. autor).
Vive hoje no retiro  Doce Paraíso, em Alcanena, sofre de demência precoce.



1 comentário:

  1. As árvores, os frutos, os navios e as mãos, a porra das mãos. Aquilo são espécies invasoras como o jacinto-de-água e o lagostim vermelho, que o senhor Eugénio aqui introduziu no ecossistema e agora é aguentar. Quanto mais a gente os come, mais se reproduzem, os sacaninhas.


    caramelo

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