terça-feira, 27 de maio de 2014

6. Hercules Dias

Deixou uma marca indelével na política e no jornalismo português. Amigo do seu amigo, defensor das populações com dificuldades, suportou, no entanto, uma campanha de ódio e maledicência como poucos. Multifacetado, foi autarca, deputado, jornalista e escritor. Na sua morte, em 2004, dele disse  Almeida Santos: Não morreu um homem, nasceu uma herança de probidade, cultura e dedicação.
Hercules Dias nasceu na Guarda, em 1930, num ambiente politizado e intelectual. O pai, licenciado em Química,  foi   professor do liceu e envolveu-se,  na região da Guarda, na  reestruturação corporativa  que Salazar empreendeu a partir de 1935.  O tio paterno, Marcolino, jornalista,  foi durante  muitos anos a alma do Jornal do Fundão.   Hercules  estuda em Coimbra, onde se licencia em Engenharia Civil, empregando-se depois na câmara municipal da Guarda. Nos anos 60 desdobra-se entre a autarquia e a construçao civil através  da sociedade que estabelece  com dois primos empreiteiros.  Segue as pisadas do pai no jornalismo e colabora activamente com o Notícias da Covilhã, antiquíssimo emblema da imprensa regional, propriedade da  diocese da Guarda,  tarefa facilitada pela  intensa actividade católica da sua mulher na Casa da Sagrada Família da Guarda ( Dominicanas de Santa Catarina de Sena). Mercê do trabalho em prol do progresso do país, que se nota desde que Marcello Cateano  assume a liderança, concorre pelas listas da União Nacional e assume o lugar de deputado  na Assembleia Nacional,  a 15 de Novembro de 1973.
O 25 de Abril apanha-o desprevenido,  mas logo se adapta, evidenciando a sua superior inteligência e valor. Durante o  Verão Quente  depressa reconhece no PS um baluarte da democracia e preenche a ficha de inscrição em Junho de 1975. Com a sua empresa refém da comissão de trabalhadores, a adesão aos socialistas permite-lhe compreender melhor as necessidades das massas trabalhadoras e oprimidas. Recupera a empresa e assume a vereação das Obras Públicas na Câmara da Guarda, nas primeiras eleições autárquicas em democracia.
Enfrenta então a primeira vaga da campanha  de ódio e maledicência, através da qual cobardes anónimos permitem-se ligá-lo "ao Estado Novo e ao fascismo". Num artigo publicado No Notícias da Covilhã responde aos críticos .  Rebate a acusação demonstrando que a  convivência com elementos da Legião Portuguesa e da Igreja era uma obrigação do seu estatuto. Quanto ao papel de deputado pela União Nacional, explica que os regimes  também se mudam por dentro e foi essa a sua intenção mais límpida, daí as conversas secretas que manteve com a Ala Liberal.
Seja como for, à entrada dos  anos 80, Hercules Dias vê a sua vida política e de cidadania cobrir-se de um manto de discrição. Trabalha  afincadamente nas estruturas locais do PS, trabalho esse que acaba por lhe valer um lugar em Macau, que aceita com entusiasmo indisfarçável. Na futura ex-colónia  trabalha sob as ordens de Carlos  Melancia e Rocha Cabral. São tempos de evolução profissional e muito trabalho, sem dúvida, mas os problemas do caso TDM levam-no a acompanhar a exoneração dos mesmos.
Regressa à Guarda e divorcia-se. Volta a casar com Sueli mei-Han, sua secretária em Macau,  e vai viver para Lisboa, mantendo, no entanto, fortes ligações à Guarda e à política local. Jorge Coelho e José Vitorino recorrem frequentemente  à sociedade de consultadoria que Hércules cria, sociedade essa que aproveita  experiência macaense do seu sócio  principal. Em 2002 publica Memórias políticas de  um servidor de Portugal ( Ed. Estrela), onde se defende da segunda vaga de críticas virulentas. Recusa ter abandonado o catolicismo em prol da maçonaria, desmente ter enriquecido em Macau, nega favorecimento dos governos de Guterres à sua empresa. Afirma que foi sempre um homem e a sua circunstância, uma circunstância socialista, desinteressada de tudo  o que não seja a defesa dos oprimidos.
Morre, como dissémos, em 2004, na sua quinta nos arredores da Guarda, ao cair, acidentalmente, numa vala fétida.

Sem comentários:

Enviar um comentário